Alentejo, o destino perfeito para viajar sozinho

Cabelos loiros, volumosos e encaracolados. Pele bronzeada, corpo atlético, voz grave e até um pouco rouca. Estilo descontraído, chinela no pé e pinta de surfista rastafári. Esta era a Samantha, a minha cliente que viajava sozinha. Tinha vindo da Austrália diretamente para Portugal. Queria descobrir as raízes dos antepassados que eram portugueses. Consigo, trazia algumas fotografias dos bisavós maternos. Eram eles a sua costela portuguesa, alentejanos de alma e coração, que tinham vistos os filhos emigrar para tão longe, em busca de um sonho, de uma vida melhor. 

 

# Elvas

Tínhamos ido até Elvas, a cidade dos seus antepassados. Sentámo-nos numa esplanada da praça central para tomar um café e conversar um pouco. Samantha era bastante faladora e em poucos minutos contou-me parte da sua história. Descobri que era arquiteta e que trabalhava numa firma bastante conceituada. Como qualquer empresa de grande dimensão, correspondia a standards rígidos de apresentação formal. Percebi de imediato que aquela aparência descontraída era o libertar de todos os dias de trabalho formal. Disse-me que já não era a primeira vez que viaja sozinha, mas que esta viagem tinha um significado especial. 

Na realidade também já não era a primeira cliente que eu apanhava a viajar sozinha. Este é um sonho adiado por muitos, reprimido por alguns e concretizado por muitos mais. Normalmente, são as mulheres quem tem mais receios na altura de tomar a decisão e partir. Questões como a segurança e a solidão pesam na balança, mas o desejo de descoberta é maior e ainda bem. 

A busca desta mulher pelas suas raízes era no fundo a desculpa perfeita para estar sozinha. Sufocada por uma agenda complexa, esmagada pelos milhares de compromissos profissionais e pessoais, sentia no seu rosto uma profunda necessidade de estar sozinha, em paz e com todo o tempo do mundo só para si. O Alentejo com toda a sua tranquilidade, segurança e arte de bem receber, por parte dos seus habitantes, era o destino ideal. 

Era importante sentir o colo de um povo na receção. No Alentejo, havia um cuidado especial por quem chegava. No hotel eram bastante solícitos a todos os pedidos e alimentação era mesmo reconfortante. 

 

# Elvas

Disse-me que viajar sozinha era como retirar as cascas da cebola que a sociedade ia colocando por cima da identidade de cada um. Sentia a necessidade de tempos a tempos ter estes momentos só seus. 

Os momentos de reflexão e tempo para parar são cada vez menores ou inexistentes e para que tudo funcione de forma equilibrada é necessário garantir o fortalecimento do “eu” interno. É um reequilíbrio emocional, é estarmos prontos para qualquer advertência do dia a dia e responder com clareza. 

Também o contato com a natureza ajuda nesta simbiose entre o mundo interno e externo. Samantha estava perplexa com os campos floridos pelos quais tínhamos passado na viagem de Évora até Elvas. Achou as planícies cobertas de vinha e olivais de uma beleza tremenda e fizemos várias paragens para que tirasse fotografias. 

No seu caso, Samantha não tinha tido quaisquer dúvidas quanto a escolha do destino para a sua viagem, pois vinha com o objetivo de conhecer a o local das suas raízes. No entanto, referiu-me que sempre que o faz pondera bastante antes de tomar uma decisão. “Viajar sozinha é uma grande responsabilidade. Temos de estar em segurança e garantir que tudo corre pelo melhor, planear é sem dúvida a melhor estratégia”. 

Na sua mochila trazia um caderno, chamou-lhe diário de bordo. Era como um registo de tudo o que ia observando, das experiências que ia tendo, mas também o local onde tinha todas as informações uteis. Contatos de emergência, da embaixada, do hotel e de serviços de transporte. Tinha também a lista dos locais que queria visitar, das atividades que pretendia fazer e as iguarias que não deixaria de provar. No fundo, era como um manual de sobrevivência para quando se está a muitos milhares de quilómetros de casa. 

Com a sua boa disposição e energia referiu-me que cada viagem era o começar de um novo capítulo na sua vida. Sempre que tinha alguma decisão importante a tomar fazia as malas e partia. Nunca se sentiu insegura e em Portugal esse sentimento de segurança era ainda maior. Sabia exatamente quais os locais por onde podia andar e a que horas o fazer, isto em Lisboa, porque quando chegou ao Alentejo, depressa entendeu que a segurança era um dos nossos maiores trunfos. “Como é possível que alguém saia de casa e deixe as chaves na porta?”. Realmente viver no Alentejo tinha destas coisas, que podiam até provocar estranheza, mas que sabiam muito bem a quem por cá morava. 

A conversa continuou por mais alguns minutos. Samantha achava que para quem estivesse a iniciar o processo, de viajar sozinho era importante começar com estadias pequenas e em locais não muito distantes. Despois, com a prática e a sede da descoberta que se ia ganhado, ficar cada vez mais tempo e ir percorrendo mais umas milhas do globo, tal como tinham feito os descobridores portugueses. 

Das muitas vantagens que me apresentava, Samantha dizia que a melhor parte era poder gerir o tempo exatamente como queria. Não havia horas para acordar, para comer ou para parar de explorar. Tinha o comando da viagem inteiramente nas suas mãos. Na bagagem não trazia muita coisa, apenas o essencial. “Temos de pensar que não temos outro par de mãos para carregar as bagagens, por isso é extremamente importante ter no máximo duas malas. No meu caso tenho tudo dentro de uma grande mochila”. 

Eram agora horas de explorar a cidade. Mostrar-lhe-ia todos os recantos. Quem sabe, com alguma sorte, não encontrássemos alguém que recordasse os seus antepassados. Samantha estava feliz e eu também. Sabia que estava a contribuir para uma viagem com muito significado. Nas pedras daquela calçada tinha ficado o testemunho de uma mulher, que sabia qual o seu destino. Viajar sozinha não era limitador era o crescimento pessoal e a realização de mais um sonho. O Alentejo era o palco e estava a cumprir a sua missão exibindo as mais bonitas paisagens. À Samantha agradeço pela confiança e pela ousadia de nos visitar vinda de tão longe. Até à próxima viagem!